Resumos da sessão Ecolinguística do IX Encontro ABECS, UnB, 28/11-01/12/2016.

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Uma interseção entre a crioulística e a ecolinguística

Anderson Nowogrodzki da SILVA (UFG)

O olhar direcionado à heterogeneidade das línguas abre alas para a conjunção de duas áreas que coabitam o território científico da diversidade linguística. Este trabalho visa trazer à luz da Ecolinguística, como disciplina multidisciplinar, os princípios da Crioulística, focalizando a relevância das línguas africanas para a formação do português brasileiro em sua trajetória de desenvolvimento. A fim de observar esse fenômeno na atualidade, utilizam-se enunciados recolhidos em conversas informais em uma cidade do interior de Goiás para observar o modo como palavras de línguas africanas diversas se mantêm no português brasileiro, dando margens para a discussão necessária sobre a relação entre língua, transformação e poder. Pressupõe-se, para isso, que a interação comunicativa é a base para a transformação sincrônica e diacrônica das regularidades linguísticas que constituem o conjunto de possibilidades de fala de dado tempo/espaço. Nesse sentido, observam-se os conceitos de regularidade e regulação, diversidade linguística, adaptação e línguas em contato (transformação). Ao pensar a movimentação linguística por meio da interação comunicativa, faz-se relevante tratar ainda das regras interacionais (elementos regulares no estabelecimento de uma relação comunicativa entre indivíduos, como afirmam Couto, Couto e Borges (2015)), inerentes à comunicação face a face, e das regras sistêmicas (subconjunto das regras interacionais que estão patentes nos códigos da língua), que constituem o contato entre interlocutores. Fundamenta-se, para isso, em Couto (2007), Couto et al. (2015) e Couto, Couto e Borges (2015), Coelho (1880, 1882 e 1886) e utilizam-se exemplos de diálogos para comprovar e esclarecer a operacionalização da teoria, descrevendo e analisando o modo como alguns traços de línguas africanas permanecem vivos na interação comunicativa do português brasileiro na contemporaneidade, deslocando-se no ecossistema linguístico continuamente. É preciso evidenciar que o trabalho que se desenvolveu parte de uma pesquisa qualitativa, com dados representativos, não exaustivos, partindo de conversas informais, impulsionadas por perguntas acerca das palavras utilizadas para denominar dado objeto ou ação. Esse ecossistema e suas mudanças se baseiam, geralmente, no construto linguístico erigido pela existência de uma comunidade, que tem como base um território (T), um povo (P) e uma língua (L), sendo interpelados por uma segunda comunidade, permitindo a interação prototípica entre os interactantes no mesmo espaço e possibilitando a formação de uma língua crioula por meio de um trajeto que sai da interação escassa, passa pela interação relacionada às demandas e interesses da população e alcança o âmbito da língua plena, dando forma a um novo modo de comunicar que integra os indivíduos em contato, modificando as regras interacionais e sistêmicas. Infere-se, portanto, que a interação comunicativa é o alicerce fundamental para a promoção da conjunção e mobilidade linguística. Nessa medida, o evento comunicativo é o micro-acontecimento que permite a transformação da totalidade de uma língua específica, que se verifica, aqui, por meio das bases teóricas da Ecolinguística e dos princípios da Crioulística.

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Ecolinguística: percurso de sua afirmação como área dos estudos linguísticos

Gilberto Paulino de ARAÚJO (UnB)

O presente trabalho realiza uma apreciação do percurso relativo às pesquisas sobre Ecolinguística no Brasil, tendo como data de referência a publicação da obra "Ecolinguística: estudo das relações entre língua e meio ambiente", em 2007, do autor Hildo Honório do Couto. Cumpre ressaltar que esta obra despertou o olhar e/ou a curiosidade de inúmeros pesquisadores do campo das Linguagens para o referido tema, ainda que os estudos ecolinguísticos tenham seu marco em 1972, a partir dos trabalhos do sociolinguista Einar Haugen. Durante esse período de estudos e discussões em nosso país, essa recente área da Linguística já se revela como uma importante contribuição, com expressivos resultados, tais como a realização de dois encontros nacionais (I e II Encontro Brasileiro de Ecolinguística - EBE) e o terceiro em curso (III EBE, em agosto/2016), a criação da Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem (ECO-REBEL), que já se encontra em seu terceiro número, e um volume da revista Cadernos de Linguagem e Sociedade (v. 14, n. 1, 2013) inteiramente dedicado ao assunto. Além disso, há inúmeros livros publicados, em português, na área da Ecolinguística, bem como dissertações e teses defendidas nos últimos anos. Nesse sentido, a Ecolinguística demonstra que vem se afirmando como área interdisciplinar do conhecimento dedicada aos estudos linguísticos contemporâneos.

Referência

COUTO, Hildo Honório do. Ecolinguísticaestudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus, 2007.

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Vocabulário de um capivarinhense do Chumbo: marcas ecolinguísticas

Maria Célia Dias de CASTRO (UEMA/UFMS)

A língua é interação natural e própria de uma comunidade, um povo; vivendo em uma determinada área geográfica, o seu território; interagindo verbalmente, com sua própria língua; e essa interação se dá no seio do ecossistema linguístico (COUTO, 2016). Os utentes da língua, nas inter-relações entre seus pares, acionam e veiculam ideias, valores, sentimentos, visão de mundo, através de signos convencionais ou motivados e esses elementos revelam: traços do perfil que os particularizam culturalmente, as circunstâncias históricas que vivenciam socialmente, as peculiaridades ambientais que os cercam, por meio do léxico. Sob a perspectiva da Lexicologia, ciência que o estuda, assim como sua categorização e estruturação, “O léxico de uma língua natural constitui uma forma de registrar o conhecimento do universo” (BIDERMAN, 2004, p. 13) e pode seridentificado com o patrimônio vocabular de uma dada comunidade linguística ao longo de sua história. No campo dos estudos ecolinguísticos, é o inventário que os membros de uma comunidade criaram e utilizam para seus aspectos do meio ambiente que consideram relevantes (COUTO, 2007). Partindo do estatuto de léxico, propomos que o repertório vocabular de um poema, ou seja, o conjunto das palavras dele selecionadas revela marcas de uma variedade linguística falada em comunidade minoritária, assim como as marcas ecolinguísticas dos três ecossistemas fundamentais da língua: o natural, o mental e o social. Por conseguinte, o objetivo é descrever e analisar aspectos de um inventário lexical com vistas a verificar até que ponto esse nível de língua pode retratar o ecossistema integral da língua (ambiente físico, social, mental) de forma a evidenciar as marcas que o caracterizam no âmbito da Ecologia Linguística. Nesse contexto, é apresentada a análise sobre um vocabulário inventariado com base em cinco poemas de um capivarinhense do chumbo escritos em diferentes sincronias: nas décadas de setenta e de noventa do século passado. Utilizamos esse gênero pela imaginação inspiradora de que são possuidores, por expressarem o que há de mais elevado ou comovente na pessoa, na natureza ou nos estados de coisa evocados e pela capacidade de refinamento dessa realidade, além da sensibilidade que lhes é peculiar. No poema Estancia I, os vocábulos planície, picos da cordilheira, altitudes, serrassertão, curral, moirão, espigão, corgos, mormaço, estrelas, bocaina, boqueirão, como afirma o próprio autor, retratam um meio ambiente “sereno e natural” a fascinar um indivíduo que se sente encurralado pela estrutura das grandes cidades, pela distância do torrão natal; a linguagem mental ou anímica qualifica os seres naturais em picos tentadoresplanície belaeu angustiosomenino pensativo melancólico membros lassos; e circunstanciadores como além, outrora, no alto, distante, lá do fim. Apesar de a linguagem sob análise pertencer à modalidade escrita da língua, a poesia revela traços da linguagem usual e representa a essência cotidiana do sujeito, pois nela evoca, com frequência, elementos psicossociais imanentes e da natureza física com os quais convive mais proximamente.

Referências

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. As ciências do Léxico. In Isquerdo, Aparecida Negri; Krieger, Maria das Graças. (Orgs.). As Ciências do Léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Vol. II. Campo Grande MS: Ed. UFMS, 2004.

COUTO, Hildo Honório do. Ecolinguísticaestudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus, 2007.

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A capoeira é uma manifestação de crioulização cultural?

Elza Kioko N. N. do COUTO (UFG) & Zilda DOURADO (UEG/Quirinópolis)

Um dos primeiros objetivos desta apresentação é justificar o porquê de uma mesa de ecolinguística em um encontro de crioulística. Além do fato de o homenageado, Hildo H. do Couto, ter sido o criador tanto de Papia quanto da ABECS, sua transição da segunda para a primeira foi bastante natural e paulatina. Um segundo objetivo é mostrar como a ecolinguística pode ser aplicada com bastante proveito no estudo dos fenômenos de crioulização. O terceiro objetivo é tentar demonstrar que a manifestação cultural brasileira conhecida como capoeira se enquadra no que o crioulista francês Robert Chaudenson chamou de “crioulização cultural”. Esta se aproxima bastante do que se tem chamado sincretismo, na esteira do que fizeram Arthur Ramos, Melville Herskovitts e Roger Bastide. Aliás, o próprio homenageado já orientou uma dissertação de mestrado nesse sentido, cujo objeto era o culto no Vale do Amanhecer, em Planaltina, cidade-satélite de Brasília.

Site do evento: https://encontroabecs.wordpress.com/ix-encontro/